Oi, princesa.

Espero que não se importe com o "princesa", sei que você deve estar cansada de tanto ouvir... mas eu também não poderia deixar de escrever. Quando te chamei assim pela primeira vez você estava linda, mais que o normal, usava um vestido de cetim verde que realçava seus olhos... Eu sempre achei que eles fossem o oceano, e observá-los me embriagava, perdi a conta de quantas vezes me afoguei neles. Era o baile da nossa formatura, você se lembra? Nossos olhos se encontraram de uma forma mágica quando você estava prestes a descer a escaria pra dançar comigo. Uma chama se acendeu e inflamou meu coração, ali eu tive a certeza de que eu era o cara mais sortudo do mundo! Nunca entendi ao certo por que você aceitou me acompanhar naquela noite, você era tudo, e eu, nada. Mas você estava lá, ao meu lado... e eu prometi  a mim mesmo que também ficaria ao seu lado, pra sempre, enquanto você permitisse eu ficar (e mesmo que não permitisse, eu ficaria). 

Você desceu cada degrau com aquela sua típica elegância e suavidade, tinha um sorriso torto e meigo estampado no rosto... E quando eu estendi a mão, você repousou seus dedos nela, cuidadosamente.  A dança iniciou e percebi o quanto você era graciosa, demasiadamente, e não merecia meus pisões desajeitados nos seus pés. Nunca te contei isso, mas eu passei as duas semanas anteriores àquele dia treinando essa dança e enquanto estava ali, tentando guiar você, eu me dei conta de que deveria ter passado o mês inteiro. Eu estava tão desengonçado que torcia para que esse não fosse o motivo do seu sorriso de divertimento. Cada movimento seu era tão delicado que eu tinha medo de machucá-la caso não fizesse tudo corretamente. Quando encostamos as palmas de nossas mãos, eu me arrepiei por inteiro, mas tomei coragem e disse, sussurrando ao seu ouvido, que você era uma princesa. Suas bochechas coradas foram a evidência que eu precisava pra saber que acabara de dizer uma verdade... E, ali mesmo, pretendi repetir essa verdade a você para o resto da vida.

No dia seguinte ao do baile, nós nos vimos. E isso seria completamente normal se também não tivéssemos nos visto em todos os outros dias que se seguiram. Você esquecia seu agasalho no meu carro pra ter a desculpa de me ligar e pedir que eu fosse lhe entregar. Mas, com o tempo, nós não precisávamos mais de desculpa nenhuma. Seus pais eram rígidos e não apoiavam o namoro... você pulava a janela do seu quarto no meio da noite pra se encontrar comigo. Nós ríamos na cara do perigo, eu achava aquilo divertido e adorava correr riscos ao seu lado, ficava admirado com o seu jeito destemido e a cara de sapeca que você fazia. Mas a verdade mesmo é que eu sempre tive medo de sermos pegos, só não deixava você perceber essa minha falta de confiança, que, perto de alguém tão segura de si, parecia absurdamente patética.

Você continuou correndo riscos, não ligava para o que seus pais ou qualquer outra pessoa pensavam. E eu admirava isso em você mais do que qualquer coisa, sempre admirei. Mas foi no dia do nosso casamento que eu tive de admitir a mim mesmo que você era a pessoa mais corajosa que eu já havia conhecido... simplesmente porque abriu mão de uma cerimônia tradicional, porque não se importou com o desgosto mal disfarçado estampado na cara dos seus pais e não ligou para os olhares tortos dos convidados. Nos casamos no campo, com um pôr do sol incrível, com passarinhos cantando e a brisa suave fazendo as folhas das árvores dançarem suavemente... Eu não poderia desejar cerimônia melhor, ainda mais quando a vi pisar no tapete vermelho. Juro que perdi o equilíbrio nos pés e me faltou ar... você estava linda! Seu vestido, que, segundo você era simples, estava fantástico e acompanhava em perfeita sincronia cada movimento do seu corpo, que deslizava meigamente até mim. Seu sorriso largo e intenso me fez sorrir de volta sem nem perceber, quando dei por mim uma lágrima intrometida já escorria pelo meu rosto. Assim que você me alcançou não hesitei em sussurrar que você era minha princesa, você fechou os olhos como se pudesse sentir algo bom dessa palavra, que direcionada a você parecia tão correta. Naquele dia, ter escutado você dizer "sim" me fez entender que eu tinha algo raro nas mãos, algo do qual eu sempre cuidaria, mais do que minha própria vida.

E eu me apaixonava por você cada vez mais, todos os dias. Me apaixonei quando você disse que não se importava com a casa modesta que tínhamos, me apaixonei quando você usou aquele vestido de bolinhas que já havia saído de moda só porque eu lhe dei de aniversário, me apaixonei quando você disse que tudo daria certo quando eu fiquei desempregado, me apaixonei lendo todas as cartas que você me escrevia enquanto eu estava na guerra e me apaixonei mais ainda quando retornei pra casa e você me recebeu com um abraço que fez nós dois cairmos para trás, me apaixonei quando você encontrou aquele cachorrinho perdido na rua e não sossegou até encontrar o dono dele, me apaixonei todas as vezes que você disse que me amava ou simplesmente todas as vezes que me olhava com ternura. E me apaixonei profunda e desesperadamente quando vi a força que você tinha, mesmo depois de um médico nos contar que você não ovulava e por isso nunca poderíamos ter filhos. Foi naquele momento terrível de nossas vidas, enquanto eu a envolvia num abraço apertado e limpava suas lágrimas, que eu tive certeza de que seria apaixonado por você até o final da minha vida... e além dela.

Quando penso na minha vida, vejo que não foi apenas sorte ter encontrado você... foi algo maior, muito maior. Uma força superior da qual eu nunca soube explicar agiu por mim, a meu favor, e minha fé sempre fora intensa, mais ainda depois de tê-la conhecido. E eu sei que isso tudo só aconteceu porque Deus existe... E, embora você não saiba, todas as noites enquanto a observava dormir eu agradecia mentalmente a Deus, por mim, por você... por nós. Rezava baixinho pedindo para que sempre tivéssemos um ao outro. E acho que Ele atendeu meu pedido, acho não, tenho certeza... Hoje nós completamos 57 anos de anos de casados e eu não consigo pensar que teria sido feliz por tanto tempo se não tivesse você ao meu lado.

Você, toda atenciosa como sempre, preparou bolinhos de chuva pra mim. Enquanto os fritava, eu reparei que você tinha a mesma habilidade de sempre na cozinha, uma verdadeira chef. Depois que comemos alguns dos bolinhos decidimos passar a tarde na varanda, sentados na cadeira de balanço, observando nosso quintal. Você dizia que a brisa fresca e os passarinhos voando e cantando a faziam recordar do nosso casamento no campo... Por isso eu podia passar horas naquela varanda, porque se tornara meu lugar favorito. Ao entardecer você disse que estava cansada e perguntou se eu queria lhe acompanhar, eu fiz que sim com a cabeça. Esse era o tipo de pergunta que você não precisava fazer... eu sempre a acompanharia, sempre. Antes de nos deitarmos, ouvimos jazz, como já estávamos habituados a ouvir, depois ajeitamos os travesseiros e o lençol... Você colocou sua camisola de seda e eu não consegui desgrudar meus olhos de você, pela mistura de timidez e divertimento no seu olhar, eu sabia que você gostava quando eu a observava daquele jeito. E disso eu jamais me cansei...

Nós nos deitamos. Você sorriu pra mim aquele seu sorriso amável, e as rugas logo apareceram no canto dos olhos. Mesmo assim, depois de tantos anos, você ainda tinha as mesmas feições de quando nos conhecemos... A jovem pela qual me apaixonei nunca se fora, embora a idade tenha feito algumas mudanças. Seus olhos ainda eram de um verde vívido e intenso e eu ainda me afogava neles... Você segurou minha mão e eu estremeci quando senti seu toque, depois se aproximou e beijou com ternura meus lábios. Na mesma hora as lembranças do nosso primeiro beijo vagaram pela minha mente... éramos dois jovens apaixonados e despreocupados, o céu cinzento anunciava uma chuva forte, que não demorou a nos pegar em cheio. Eu pensei que você correria desesperada atrás de abrigo, porém, o que você fez foi me puxar para mais perto e rir daquilo tudo, eu correspondi, ri de volta e me dei conta do quanto estava feliz... A chuva era intensa e nós já estávamos encharcados. Não quis perder mais tempo, te segurei e a beijei ali mesmo.

Quando as lembranças evaporaram, me dei conta de que você já havia adormecido... mas eu não fui dormir, teria tempo pra isso mais tarde, aliás, muito tempo... Então eu fiquei admirando você daquele jeito, queria poder gravar tudo, tudo mesmo. Eu fiz minha oração, agradeci a Deus por tudo aquilo, pelo presente que foi ter tido você em minha vida... e depois me levantei e vim escrever esta carta... Eu prometi que ficaria ao seu lado pra sempre e quero que entenda que eu não quebrei a promessa, vou continuar com você, de onde quer que eu esteja eu vou estar cuidando de você como sempre cuidei e você vai ter de seguir em frente por nós dois... Eu sei a pessoa forte que você é, sei que vai lidar melhor com isso mais do que eu seria capaz de lidar. E, repito, eu estarei cuidando de você e te amando... Sei que um dia nos encontraremos novamente, mas, até lá, eu quero que você viva por nós dois...

E eu te prometo que quando chegar a sua hora, eu vou estar te esperando como no dia da nossa formatura. Estarei ao pé de uma escada, vestido decentemente para a ocasião, aguardando com ansiedade a sua chegada, e vou sorrir de felicidade quando você aparecer mais linda que nunca. Consigo até visualizar seu vestido e imaginar como seu cabelo vai estar... E meu coração vai bater violentamente contra meu peito quando os nossos olhares se cruzarem, minhas pernas ficarão cada vez mais bambas enquanto você desce degrau por degrau, me olhando daquela forma que eu gosto, tão misteriosa e travessa. Eu vou esticar minha mão e você vai segurá-la firmemente, e nós dançaremos... Seremos novamente dois jovens com todo o tempo do mundo. Agora, preciso ir, meus olhos já começam a pesar, minha respiração é lenta e falha... acho que chegou a hora de adormecer. Mas, antes, vou dar uma última olhada em você... não resisto à sua beleza. Eu te amo, sempre amei e sempre a amarei, além da vida.