Mais uma vez você me deixa aqui. No escuro. Eu não me sinto sozinha, não totalmente, porque sua ausência me faz companhia. Estranho, né? Sua ausência é mais real que você, e eu já a personifiquei. Eu a abraço e a sinto... e ela é fria, tão fria que os meus pelos da nuca e dos braços se arrepiam, ela é silenciosa... Sua ausência é desalentada, é distante. Mas se é o que eu posso ter de você, então é o que eu quero e me conformo em ter... E não ligo para o que dirão, porque eu posso plantar lembranças nascidas do meu próprio imaginário, posso reinventar os momentos e criar o que nunca chegamos - ou vamos chegar - a viver. E assim, de alguma forma, você está perto de mim.

E é na TV que já não transmite os jogos de futebol que você gostava de assistir, nas cordas do violão que já não emitem nota alguma, no chuveiro que não é mais aberto pela manhã, nos passos pesados que não circulam mais pela casa, nas cinzas de cigarros que não ocupam mais o cinzeiro, no seu beijo intenso e ávido que não deixou vestígio nenhum nos meus lábios, no seu toque sensível e ao mesmo tempo feroz que já não percorre mais meu corpo, no nosso amor mais ardente que já não deixa mais os lençóis amassados nem seu cheiro de perfume e suor dispersos pelo quarto... É simplesmente nisso tudo, dessa forma triste e dolorosa, que você está em todas as partes.

Falando nisso, lá vem ela... áspera, vã, sombria e gélida. Ela invade minha cabeça, invade meu coração... Eu estremeço, sorrio e choro ao mesmo tempo. Abro os braços e envolvo sua ausência no meu abraço mais apertado... é com ela que eu vou dormir esta noite. É com ela que eu vou dormir todas as noites.